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segunda-feira, setembro 06, 2004

Choro nº1. 

Clave de Sol. Entretanto o pianista e eu já não tocamos, a vida de músico é esta mesmo, as pessoas vão passando as recordações ficando. Para sempre. Havemos de nos encontrar por aí algures, relembraremos as actuações conjuntas, os bons momentos, a afinidade recíproca, afinal de contas foi com ele que pisei um palco pela primeira vez. Não se esquece. E outras muitas coisas.

Descobri uma música adequadíssima. Outra. Chama-se Choro nº1. Heitor Villa-Lobos, o compositor. Simplesmente genial. Às primeiras notas, já me conquistara. Fez-me trocar a secção rítmica pela guitarra. Clássica. Ando a desfrutar este choro e sinto um prazer que já não sentia há muito. Intervala tristeza com alegria, desgosto com saudade. Mas, sublime. Um choro destes é humano, e no entanto: uma guitarra. Preciso confortá-la. Tocá-la. Com admiração. A causa de um choro assim não se desrespeita. É poesia. Mas, fugiu.

Afinal de contas, a guitarra é um instrumento mais adequado para um Cowboy Cantor. Mais portátil. E agora que me preparo para tocar ao vivo sozinho, por aí, novamente solitário, mas bem acompanhado, é a melhor opção. Não percam. Espalharei cartazes atempadamente. Se bem que deve demorar ainda uns tempos. Preciso de praticar. Este Choro ainda vai dar trabalho. Dar-lhe personalidade demora. Compreendê-lo. Como se fosse o nosso.

"Só as pessoas fúteis precisam de anos para se libertarem de qualquer emoção. Um homem que seja senhor de si consegue pôr fim a uma tristeza com a mesma facilidade com que inventa um prazer. Não quero ficar à mercê das minhas emoções. Quero usá-las, desfrutá-las e dominá-las." (Oscar Wilde, "O Retrato de Dorian Gray")


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quinta-feira, setembro 02, 2004

"Give Me Five"? 

Já repararam no diálogo entre a bateria e o piano no "Take Five" do Dave Brubeck, a parte em que o saxofone se cala? Bom, há uma parte que aquela bateria sou eu, quando não se ouvem os pratos e o piano insiste naquelas 6 notas repetidas sequencialmente. Sou eu! Sou eu que faço das baquetas cordas vocais e falo [tento falar...] Rufo na tarola por instantes, elevo a voz no bombo, grito, mas baixinho, nos timbalões. Enfim, digo muitas coisas. Algumas, porventura, dispensáveis, acredito, que me saem fruto do calor do momento. Mas se repararem o piano diz sempre a mesma coisa. Sempre. Sem levantar a voz vai repetindo a mesma frase, sempre as mesmas palavras, mas em tom quase de lamento, que não muda, que assim está tudo bem....Caros juízes, na verdade vos digo: eu posso improvisar, voltar aos pratos, rufar interminavelmente, fazer ali um brilharete que ele diz-me sempre - "Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll[...] Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll"....e acreditem que já fiz de tudo, inclusivamente uma vez chateei-me e parei de tocar, mas lá continuou ele a martelar aquela lenga-lenga ininterruptamente.
[...]
Abro parêntesis. ATENÇÃO: eu gosto muito desta música, adoro-a mesmo, posso mesmo até dizer que a am... ok, não posso...é melhor não. Fecho parêntesis.
[...]
Etimologia. A origem das palavras. Digo martelar porque o piano, mesmo que tocado brandamente, ao de leve, faz-se soar porque as notas, as cordas [é verdade, o piano tem cordas!], são marteladas. E digo lenga-lenga porque diz sempre o mesmo, repete-se ciclicamente, como se não me ouvisse refilar, como se me dissesse "não tou com paciência" ou fechasse os ouvidos e dissesse blá blá blááááá, como os miúdos....
[...]
....lá está ele...conseguem ouvir?...talvez seja da minha cabeça..."pode ser que seja do cansaço, pode ser"...às vezes sinto que se não fosse eu a andar com esta banda às costas, a suportar algumas excentricidades do pianista, não tocávamos juntos...será assim tão difícil improvisar comigo uma vez por outra, ora um ora o outro, estilo ping-pong, como fazíamos nos primeiros concertos?! porque a bem dizer aquilo não é um diálogo...é certo que falas, mas naquela sequência tão monocórdica só eu me distingo e faço ouvir, e torna-se um monólogo maçador...ou acaso pensas que gosto de estar para ali a tocar desacompanhado? é que se pensares: eu tocar sozinho assim podia fazê-lo sem estar contigo, sem subir contigo ao palco todos os dias...mas se é do palco que gosto, que gostamos!, porque me privas de partilhar contigo as palmas do público? ou mesmo as palmas do auditório vazio...sim, porque para mim o importante é divertir-me a fazer música contigo, não me importa que ninguém nos queira ouvir...entendes?
[...]
...continuas...[Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll]...eu também continuo....neste andamento: allegro ma non troppo...vá, é a tua vez...
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..
[[Olhares] Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll]
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...ok, já percebi...mais uma vez, e decerto não será a última, terei de ser eu a dar continuidade ao tema e dar sinal ao saxofone para entrar, não é?...
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[...]
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[Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll]
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[...]
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...não queres nem subir de tom aí no piano? o saxofone percebe e vai atrás......vá lá, fica giro.....hm?...
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[Si, Réé, Mi, Sol, Mi, Sollll]
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[Entra o saxofone]
Fim

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